terça-feira, março 28, 2006

O deambular da ilusão




Às vezes dou por mim a ver-me como mais um dos derrotados da vida. Fernando Pessoa, Fernando Pessoa, Fernando Pessoa... Como um analgésico. É cedo para termos esta conversa, não é? A juventude ainda nos pulsa nas veias, o sabor intenso de um mundo novo, trazemos a vertigem das emoções nos lábios cerrados... E ainda assim aquela sensação que nos assalta de que já conhecemos o fim. Não me digas que não pensas o mesmo, vejo-o nos teus olhos. Tanto sofrimento à nossa volta!... A beleza desprevenida nos rostos alheios, a leveza dos dias, mas quantos desejos reprimidos por trás de cada sorriso. Não foi isto que nós sonhámos, não finjas que não estás a perceber. Eu agarro-me a ti para que me digas que há um sentido, às nossas fantasias, estranhas quimeras, mas tu olhas para mim... E eu vejo que estamos os dois tão perdidos!
Sabes quantas vezes acreditei e em quantas delas perdi a aposta? Sabes quantas confiei e me desiludiram? Dei por certos passos que me falharam. Não quero ouvir-te dizer que é este o caminho, que é a vida dos adultos, eu nem sou adulta, nem quero isto para mim. Essas pessoas... Essas que me dizem tanto, que povoam os meus dias, que vivem a mesma realidade que eu... Pensas que é fácil ver-lhes os risos desfazerem-se em estilhaços, apanhar-lhes os cacos e dizer “deixa lá, é assim a vida, isso passa”? Pensas que não revolta, que não apetece devolver-lhes os sonhos intactos, mas tudo é uma ilusão... O nosso deambular da ilusão.
Pensei que encontraríamos o caminho, um dia. Pensei que estávamos a projectar os nossos sonhos no futuro, mas afinal eram só as inseguranças que reflectíamos. Agora vejo-me cara a cara com os meus fantasmas e sento-me à mesa com eles. Admite que isso não fazia parte dos nossos planos. Não é necessariamente mau, não é tudo intrinsecamente mau. É só esquisito, esquisito que depois de tantas subidas e descidas ainda me procure por aí. Esquisito que o mundo continue a escorregar-nos como areia entre os dedos e que, no sentido inverso, a nossa ânsia de o segurar se vá desintegrando em pedacinhos coloridos que brilham por um instante diante dos nossos olhos e desaparecem. Deixo-os ir com a corrente dos pensamentos reciclados e dos instintos falhados. Cansei-me de batalhas perdidas. Diz-me se ainda acreditas nos mistérios que, um a um, ainda vamos desvendar. Se o nosso clube das chaves tem coragem suficiente para continuar. Ou se nos cansámos tão cedo das contradições de uma existência banal.
Quero beber a essência das coisas, a violência dos sentimentos, a intensidade dos momentos, que nos esgotam e renovam. Quero o que ainda há por oferecer. Venham as ilusões, se preciso delas para viver. Deambulando por aí, vou-me encontrando em mim. Entre o cansaço de um momento e outro, entre as revoltas e as frustrações, há a magia das coisas simples, daquele olhar, de uma conversa esfumada no tempo, da cinza das memórias que as horas arrastam... Não estaremos derrotados enquanto estivermos vivos.

segunda-feira, março 27, 2006

Saudades de mim


Ai que saudades de mim
De me sentir em mim,
Autêntica e inteira,
Personificada

Que saudades de me enganar no caminho
E ser esse o meu destino
Ou talvez não

Saudades de me perder nas ruas
E me encontrar na esquina
De um sentimento qualquer
A fazer contas à vida
Sem me aperceber
Que há tanto que ainda quero viver

Mas aos pedaços eu não me encontro
Se memórias bafientas e vozes abafadas
Me deixam desarticulada
Por isso bato a porta aos fantasmas
Bato a porta e apago a luz
Hoje fico só comigo

É como romper a bolha que me envolve
E respirar de novo
Emergir à superfície de um sonho escuro
Tocar-me e ser eu
Ainda eu, apesar de tudo

Que saudades de mim...

quarta-feira, março 22, 2006

Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho
Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma, não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,


Atento ao que sou e vejo
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem
Assisto à minha passagem
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.


Por isso, alheio, vou lendo,
Como páginas, meu ser.
O que se segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto a margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa


Quem sou eu na imensidão destes desejos contrários... de sonhos de pernas para o ar... e sentimentos paradoxais? Quem sou eu, diz-me tu que me levaste, que me trazes no peito sem me saber decifrar. Sou e não sou... Gosto e não gosto... Quero e não quero... E em tudo esta dualidade permanente, tu sabes, desconcertante. Entusiasmada ou entediada, olho-me mas jamais me leio, se tudo em mim são frases soltas que, um dia quem sabe, poderão fazer sentido. Continuo a procurar-me, sem nunca saber quem sou. Na minha demanda incansável por respostas, uma adolescência eterna. Doce é o sabor de novidade que há em tudo e vibro, num conhecimento virgem do mundo. Maravilho-me, reinvento-me, vivo de intensidade, de tempestades, de vertigens de prata. Há quem se espante, há quem comente, há quem já tenha tentado deixar de perceber... Se tudo é tão imprevisível, as sombras que alastram e as estrelas que desatam a brilhar, o riso e as lágrimas, os bocados de mim que vou deixando aqui e ali... E às vezes acho que já nem tento saber quem sou ou porque estou ou se quero estar. “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”, disse alguém. Sim, eu sou este momento e tudo o que ele comporta. Amanhã... Bem, logo se verá.

sexta-feira, março 10, 2006

Tu és aquele amigo...


Tu sabes que sim, que és. Sei que já o repeti vezes sem conta, sei que sabes de cor como os meus olhos sorriem quando o digo e penso... Como poderia viver sem ti? Ontem foi aquele dia... Quanto tempo o esperámos? Ontem provaste-me que os sonhos podem ser chão se a mente não perder a capacidade de ser ar. Não sei quem és, não quero saber. Sei quem és para mim (e não é isso que importa?), sei que a nossa amizade é inquebrável... Soube-o ontem... Senti-o quando toquei a tua felicidade no meu peito e pareceu-me que sempre caminhámos para aquele momento... Sentiste o mesmo? Tantos sonhos partilhados, conversas intermináveis, dúvidas e quantas perguntas sem resposta... Se nós soubessemos que tudo desaguaria ali... E ainda assim é tão autêntico e eu sei que és tu vertido naquelas páginas, não tu o Pedro, mas tu o João mais profundo, os pensamentos, as hesitações, as incertezas... O meu amigo, aquele que me lê nos olhos, que tem o meu caminho escrito na palma da mão. E houve uma altura em que senti que a emoção era não saber como o exprimir melhor do que aquele sorriso aberto e um abraço (dizia tanta coisa...). E dizer-te que sempre soube que chegarias ali e que a minha felicidade é por ti. Tu mostraste-me que é legítimo sonhar. Adoro-te... Mas isso, tu sabes.

quarta-feira, março 08, 2006

Fadas

Alguém disse uma vez que ser mulher era extraordinário porque podíamos fazer tudo o que os homens fazem... E ainda de saltos altos. Sim, ser mulher é ter conquistado uma posição de igualdade, de complementaridade, e fazê-lo com elegância. É estar-se consciente da graciosidade de cada movimento, mas ainda assim deixá-los fluidos, como se fossem quase por descuido. Ser mulher é ser de uma beleza delicada, de uma fragilidade que instiga os instintos mais primários de protecção, e guardar nos recônditos secretos a maior força da natureza. Todos sabemos que - até biologicamente - as mulheres são mais resistentes que os homens, mas nós gostamos de vos deixar acreditar que nos podem defender e por isso deixarmos que nos abracem e nos resguardem dos nossos próprios medos. Que a maior debilidade da mulher é o medo da solidão, quando se tem o peito a transbordar de ousadia e de sonhos românticos. Ser mulher é ser-se assim, paradoxal, é ter-se mãos que arrancam raízes à dor e que acariciam, ter corações que se partem e que se reconstruem, asas que se quebram e se voltam a colar... E, mesmo aos pedaços, a mulher continua inteira, ingénua o suficiente para acreditar, doce demais para perder a capacidade de amar... A mulher permanece sempre igual a si mesma, indiferente às estaladas da vida, que são sal e não pedra, que lhe dão experiência mas não lhe retiram o brilho.
Confesso sinceramente que admiro as mulheres, desde o início, desde quando sustentavam a sociedade sem que o mérito lhes fosse reconhecido, por todos os séculos que foram pisadas, humilhadas, subestimadas e lutaram e choraram e aguentaram caladas, até ao dia em que alguém ousou voar mais alto. Esses seres trazem em si a semente do universo, são capazes de dar vida... E não será esse o maior milagre da humanidade?
Eu tenho orgulho em ser mulher. Tenho orgulho nas conquistas de cada dia, sempre que ganho mais um pouco de terreno à ignominia e ao preconceito, sempre que me afirmo como sou e me faço aceitar assim. E orgulho-me, da mesma forma, dos rios de mel que me correm nas veias, da capacidade de me deslumbrar, de me entregar, de acreditar... Mesmo depois de tudo.
Todos nós, homens ou mulheres, sabemos que há um elo, aquele elo, que nos une a um ser especial em todo o universo. E éramos capazes de reconhecê-lo pelo cheiro, pela voz, pelo carinho que transborda em cada um dos seus gestos, que nos embalam, que nos confortam, que nos acalmam como nenhum outro. As mulheres que nos receberam, que nos amaram, que nos ensinaram os primeiros passos num mundo incerto. Para mim, será esse o rosto que eu verei sempre que abrir os olhos, como na primeira vez, porque nele habita a luz do mundo. Não há abrigo que me possa proteger melhor, não há sentimento que possa ser mais forte, não há nada que eu deseje mais do que a presença dela.

Porque ela é uma Mulher, porque me ensinou a ser a mulher, porque o mundo é mais bonito sempre que há mulheres a deambularem por aí, como pequenas fadas...

Não deixem passar em branco este Dia da Mulher!

segunda-feira, março 06, 2006

Fios de luz


Hoje adormeceste no meu colo... Sereno, seguro, sabendo que eu nunca te poderia magoar. Abraçaste-me e deixaste-me embalar-te, sem imaginares que as pálpebras que te descaíam guardavam por momentos a magia do mundo. Pelo menos, do meu.
Agora, enquanto dormes, não sabes - nem poderias saber - que quando me estendes os braços, quando tentas dizer o meu nome e te enganas, na atrapalhação curiosa das crianças, derramas no meu peito gotas suaves de ternura e que elas me insuflam de vida. Tu não sabes que afastas as sombras com esse sorriso que se prolonga no olhar, não sabes, meu pequeno, e ainda bem. A tua alegria preenche as lacunas da realidade, a tua vitalidade desperta os instintos preguiçosos que se acomodaram à rotina de viver e essa tua delicada fragilidade arranca mil braços à noite para te defender.
É verdade que a primeira vez que apertaste o meu dedo na mão me agarraste para sempre, que quando confiaste um novo dia nasceu dentro de mim e isso devo-o a ti, ao dia em que adormeceste no meu colo e teceste um fio de luz entre nós. Dorme, bebé, eu vou estar a olhar por ti...