terça-feira, julho 25, 2006

Duas vidas

Fotografia de autor desconhecido


Será sempre assim... Amar as raízes e aspirar ao céu? Paradoxais são os desejos que alimentam os meus voos; quero ser dona do meu tempo, segurar as rédeas da minha vida, e ainda ser folha arrastada no vento, pintada pelas cores da estação, leve e estaladiça. Preciso tanto do meu espaço, do meu cheiro nas paredes, de caras conhecidas a sorrirem-me do porta-retratos na estante, como da liberdade de vaguear sem destino, gota anónima num oceano de vidas. Gosto de me reconhecer nos caminhos rotineiros, de antecipar cada passo e essa segurança é uma espécie de redoma que me protege das intempéries de um destino caprichoso. O mesmo destino que me acena do horizonte e me fascina; inebriada pelas promessas de aventura, sucumbo à tentação de me fundir no mundo. Quero uma vida normal, com direito a tudo aquilo que fui programada a ambicionar e, com a mesma intensidade fervorosa, desejo escrever uma história original, por entre a poeira dos caminhos e com o céu estrelado como testemunha. Quero duas vidas para viver!
Perdida por aí, sinto-me tão viva... Dilui-se no sangue a angústia das horas, o tempo passa devagar, como uma carícia. Oiço até o coração da terra palpitar-me no peito, se os meus pés decalcam as pegadas luminosas do universo. Viajar mata a minha fome de mundo. Por um instante, sinto-me cumprir o meu destino, como se eu não pertencesse nem a mim, senão ao mundo. Desejo, com os olhos a brilhar de excitação, cada rua, cada pedaço de mar, banhado de luar e estórias de piratas. Vou saquear as emoções que escondem os rostos alheios, dissecar os mitos de cada sombra que desce sobre a cidade. Quero conhecer, conhecer profundamente; olhar para o mundo mergulhada no seio de cada país, vê-lo como ele é visto lá... Mas só por um instante... E depois partir em busca do meu “el dourado”. Que o prazer não está em chegar, mas na viagem e a única coisa que me poderia prender, levo-a comigo. Sentimentos, transporto-os a tiracolo; o tempo encarrega-se de lhes limar as arestas e eu beijo-lhes as palavras e os silêncios.
Preciso de sentir o chão nos pés. Não nasci para ser de um país só. Almejo os sons, as cores, os cheiros, a arte, a alma de um mundo desconhecido, descobri-lo, possuí-lo, deixar-me apaixonar. Quero aprender línguas diferentes, sentires diferentes, lendas e tradições que moldem a forma como vejo o mundo. A beleza escraviza-me e bebo dela, até me latejar nas têmporas. Rasga-se-me o riso nos lábios, se apreendo um pouco mais da realidade. Realidade que também existe aqui... Aqui, onde estou integrada, onde posso ser eu. Aqui, onde pertenço, onde sou feliz. Eu preciso de duas vidas... Duas vidas para me perder e para me encontrar...

quinta-feira, julho 20, 2006

So many words I wish I could say

Fotografia de autor desconhecido


São tantas as coisas que na pressa dos dias, no atropelo das horas, se deixam de dizer...

Dizer, por exemplo:
- Sinto a tua falta.

Às vezes, as palavras pesam. Molhadas de sorrisos abafados, carregando o fardo das saudades e dos desejos, dos medos e das paixões, escondem-se; como se, de repente, o rio que somos deixasse de correr e ficasse, especado, à espera que o leito lhe dissesse para acontecer. Diletantismo medonho este de olhar para o lado e assobiar, fingir que passa, fingir que não existe e viver assim, na ilusão dos segredos calados. Palavras que não são ditas são cadáveres que transportamos nas entranhas, fantasmas que se recusam a ser gente... Ou nada... Mas que sejam ou desistam de ser; não sou de meios termos.

São tantas as coisas que se fingem não sentir. Como se fossem pecado... Um pouco mais, até.

Sentir, por exemplo, que te desiludi.

Olha-me nos olhos e diz-me que eu não fui suficiente... Suficiente disto, suficiente daquilo... E depois engole as tuas palavras, prometo que não vais ter que as repetir. Sou de desafios, da lâmina crua da frontalidade; falsos gestos cansam-me, jogos entediam-me. Por isso, não finjas que não te sentes incomodado. Eu também sinto. Não digas nada, deixa a raiva, o tédio, o medo tomarem conta de ti e, de tanto te possuírem, explodirem num riso fugaz e contagiante. Estou farta de teatros, de farsas, de segundos sentidos. Sê transparente, leal ao que és... Depois do que vi, não me vais assustar. Nem as sombras que pairam nas tuas costas, nem os monstros que escondeste debaixo da cama... Não me vais assustar.

São tantas as coisas que deixamos escorregar-nos entre os dedos.

Tu sabes. Acorda!

O mundo está à tua espera...