quarta-feira, outubro 17, 2007






E de repente dói-me o mundo. Sinto o tecto frio das tuas palavras perfurando-me a subtileza dos silêncios que já são tudo menos subtis. São pesados, como murros desesperados contra a parede ignóbil dos nossos medos. Não percebes que as únicas coisas que arranhas são os nós dos nossos dedos? Já tenho as horas em carne viva.




Foi assim de repente que deixei de te conhecer. Viraste os valores ao contrário, desacreditaste os credos que recitavas de cor. Perdeste a fé em mim. Não sei quem és do outro lado da porta cerrada. Não nego a minha culpa. Deambulo pelo corredor vazio, espreitando através do vão das recordações, mas tudo o que encontro é o apito mudo do telefone sem resposta.




Ofende-me o sol que não se compadece deste estilhaçar bucólico tingindo-me as águas. Secam-me as mãos abstémias de gestos. Estou paralisada do medo de não correr e, ao virar da esquina, deixar de te ver. É tanto que te quero bem. Em que língua mais precisarei de o dizer?




Caminho descalça pela relva, sentindo-me viva. Não viva como uma massa de carne agitada pelo pulsar irreprensível do sangue nas veias. Viva, capaz de sentir o mundo e acreditar nele. Sei que vês os cortes ameaçando-me as artérias, sei que só me queres bem. Talvez precises de um pouco mais de vida. Acredita. No mundo, na terra virgem que me aduba os sonhos. Acredita quando te digo que. montanhas e lagos à parte, eu nunca parti de perto de ti. Se não podes ver a magia eterna de viveres em mim...






Acredita.










terça-feira, setembro 25, 2007



Hoje levanto a manhã nas pálpebras, inundando o quarto de dia. Tenho a alma clara, as portadas abertas, os cantos arrumados. Em ti reconheço os contornos de um velho sinal boiando no meu corpo. É natural querer-te, pertencer-te. O meu caminho atravessa as tuas ruas.

[Só hoje sinto-me serenamente perto de mim.]

Em ti, que desconheces a minha cultura, a minha história e a minha herança, que nunca me viste errando pela noite inquieta nem sabes a minha cor preferida, estou inteira. No enleio cerrado das tuas montanhas severas, abraças todo o meu mundo que é tudo e apenas aquilo que posso transportar comigo. Nas teias que me nublavam a razão fui acumulando demasiado pó e frustração. Rasguei-as na ânsia de te alcançar e, na erosão do sangue seco dos sentimentos repisados, a boca soube-me a seiva fresca. Hoje, sob o teu sol, cresço com a força bruta de um fenómeno natural.

[Obrigada.]

És tu a madrugada desperta, um rosto impreciso que desafia os códigos genéticos no autocarro, a conversa no pub regada a cerveja e a nachos, o nome exótico do rapaz na mesa ao lado, mil variedades de queijo e chocolate tentando-me a dieta, uma noite surreal na fábrica abandonada, os passeios junto ao lago e cada beijo que te dou no meio tempo que demoro a adormecer. És tu a coragem de vencer o ridículo, um pouco mais de tolerância. És um punhado de novas palavras todos os dias, excitantes desafios e sensatas lições, incontáveis vitórias.

És o mapa que me leva até mim.

És tu o que sempre sonhei, ainda que tivesses outro nome, outra cor e outra altitude. Hoje não preciso de te perguntar às estrelas.

És tu.



sexta-feira, agosto 17, 2007

Homenagem


Orgulham-me.



Os vossos corações de ossos largos
Que me pariram as asas
E moldaram um sol de plasticina
Que, na vertigem das quedas,
Não me derretesse o azul.

Esses corações
Que explodem em fogos-de-artifício
Desligando a escuridão
Arco-íris de Inverno
Nas lágrimas que vos lambem o sorriso
Que me orgulha
Meu Deus, como me orgulha!

O mais do que sou
É o que deixo em vós.

O vento corta-me as penas
E no voo arranha-me o horizonte
Mas tenho nas células tatuada
A herança genética dos novos mundos

Evado-me.

O mais que tenho
É o que levo de vós.

O olhar melífluo
Pousado sobre o mar
[Eu sei que dói mais ficar]
E nos braços força suficiente
Para o desbravar
[Eu sei que é preciso coragem para esperar]


Meus heróis de alma inteira,
Tudo o que levo na algibeira
É muita sede de mundo
E a certeza de que tenho no vosso peito fundo
O melhor motivo para voltar.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Palavras para quê?



Hoje apeteceu-me desesperadamente soltar as palavras, enrugar os sentimentos até os fazer caber na ponta da minha caneta.

Quase violei a ética dos silêncios no pânico de esquecer o som da minha voz. A violenta beleza do mundo que me sacode os passos tortura-me a existência com a certeza de se apagarem a cada virar das horas. [Tenho a alma embriagada de eternidade e a humanidade aprisionada dentro das quatro paredes da lucidez.] É de novo aquela claustrofobia espremendo-me o coração no papel, de novo aquele desejo de escrever esmurrando-me, rasgando-me os poros ao faro do sangue, algo que prove tu és, tu estás. Como se, quando ninguém me pode encontrar, eu não existisse.

Quase verti, quase traí os segredos. Tê-lo-ia feito, não fosse a picada de vazio, precedendo o orgasmo das palavras que consumam as memórias, doer-me o esófago e, no vómito compulsivo das vogais, descobrir que lhes azedo a magia.

Só então percebi a burocracia dos meus textos, submissos, como pedindo licença para acontecerem. Não preciso que me passem um certificado de vivência! Os momentos têm a consistência da minha energia, são carnais e apodrecem.

Mas porque é que isso me há-de importar?

segunda-feira, julho 30, 2007

Fotografar o mundo em mim



Escrevo, porque vivo
É álgebra elementar
Se não escrevesse,
Ainda haveria a minha respiração a embaciar o vidro
E sangue a dar-me corda ao coração
Era ver-me as mãos, descuidadas,
Cravarem-se na saia a cada solavanco de emoção
Tanto faz o sol como a noite mais escura,
E nem que chova ácido e as estações descarrilem,
A paisagem corre nos seus trilhos

[Sem romantismos,
Fantasias ou patéticas poesias]

À hora marcada, trepida e apita nos apeadeiros
E, no frémito das chegadas e partidas,
Embrutece-me o cinzel.

Mas se eu não escrevesse
Tu morrias comigo.

sábado, julho 21, 2007

Apatia


Estava encostada a um canto, os traços da sua beleza vulgar fechados sobre o livro que assentava indulgentemente no joelho, praticando a desapaixonada arte de ser invisível. Sentei-me ao lado, ensaiando um sorriso. Não levantou os olhos [lia Pessoa], não tanto pela concentração como por uma vaga indiferença. Era dona de uma atenção fragmentada, de uns dedos desassossegados amarfanhando as páginas. Foi numa dessas passagens impulsivas que lhe vi as unhas descarnadas, manchadas de vermelho pelo que restou de um verniz barato. Como se tivesse ouvido o meu reparo benevolente, trincou uma delas, dando um inusitado estalido com a língua que me arrancou uma despropositada irritação. Desviei o olhar, o sol tímido desaparecera sob uma neblina diáfana e gélida. Sentindo um arrepio, lembrei-me que deveria ter trazido um casaco. Os comboios chegavam e partiam, as pessoas, na missão inglória de cumprir a sua solene rotina, espelhavam a habitual apatia. Gostava de estações, da confortável sensação de que tudo está no seu lugar e de pensar que quem parte um dia tem que voltar. Dava frequentemente comigo a fantasiar que me levantava e entrava num desses comboios, sabendo que, quando abrisse os olhos no país que me visse chegar, ainda seria eu. Nesses momentos, sentia-me mais vivo, mais lúcido, como se uma lufada de alma soprasse na carcaça seca dos meus átomos.

Olhei para o lado, ela ainda estava lá. Silenciosa e desafiadora, uma gota de água irritantemente suspensa na torneira. Não tinha nada de memorável, era translúcida e fria como uma noite de Primavera. Estava somente distraída do mundo, demasiado anestesiada sequer para lhe contar as horas. Talvez se lhe gritasse aos ouvidos, pensei, e logo a seguir tive a certeza que seria uma perda de tempo. As emoções aborreciam-na e os sentimentos eram um luxo que há muito tinha empenhado junto com o ouro que a avó lhe ia dando pelos anos, prendia-a apenas o infinito tédio de estar viva. Devia conhecer-lhe o zumbido arrastado, porque nem olhou para o relógio. Quando o seu comboio chegou, levantou-se sem barulho e sem triunfo, enfiando o espesso livro na carteira e desapareceu atrás de uma porta ferrugenta.

Não a voltei a ver. Nessa noite, fiz uma mala apressada e os primeiros raios de madrugada, revelando as manchas vivas que os pósteres deixaram na tinta desbotada da parede, encontraram o quarto vazio. No momento em que entrei naquele comboio, era eu a minha paisagem em movimento e o mundo pulsava nos estremeções do arranque debaixo dos meus pés. Foi como se tivesse saltado para a tela, assistia finalmente à minha própria história. E o medo, pensei com espanto, era sangue espraiando-me nas veias uma espécie de humanidade, não a dos ossos e dos tendões, mas a de uma eternidade sorvida no debater dos instantes que nos encaminham para a morte. A minha vida é uma obra de arte.
Não a voltei a ver, nem a ruminar minutos em estações citadinas. Nesse dia lembrei-me do tempo perdido que tinha para resgatar.

quinta-feira, julho 05, 2007

light |up

Ao longo deste ano e meio, tenho vivido através do On my own e crescido com ele. Nas suas origens está um momento exacto, umas costas empedernidas de concentração, um olhar aguçado e o tiquetaquear inquieto dos seus dedos no teclado. Foi um parto simples e o poema nasceu branco e sombrio, fruto natural de uma gestação apaziguada. Foi-me entregue com um abraço amigo e ele, que já navegava pelos meandros encantados da blogosfera, soprou a lufada de ar fresco que haveria de içar as minhas velas

- Faz falta um espaço teu.

Desde então, tenho reescrito a minha história e tantas outras e descoberto a cada dia o sublime prazer de brincar com as palavras. Fascinei-me pela infinita possibilidade que é o mundo dos blogs, com tudo o que tem de solidão e de partilha, um espaço privilegiado de contacto com a realidade. Não posso negar, estou viciada. O On my own ganhou vida própria e uma personalidade que não se verga a todas as minhas vontades... Mas há mais, outros voos e outros destinos, pelo que tenho hoje o prazer de inaugurar o novíssimo






light up

Substancialmente mais leve, o light up não engorda, nem tem contra-indicações. Criei-o para abrigar e divulgar os pequenos prazeres da vida, complementando com um rasgo de sol o lado lunar [e tão acarinhado] que o On my own continuará a ser.


Bem-vindos a um novo conceito de lazer…

Em http://www.lightedup.blogspot.com/