Não partas
Olho para ti... O peso dos anos descendo-te nos ombros, o olhar perdido num horizonte longínquo, para lá daquilo que conheço e posso adivinhar. Há quanto tempo os fechaste para o presente?
Leio-te nas pálpebras as estórias antigas, o rasto de ternura das memórias, o palpitar da vida que te deu tanto e agora, quando a esperavas calma e doce, te traiu. Sempre foste de compleição frágil, mas é de ti forte que eu me lembro... Da seiva que te corria no corpo, as mãos hábeis contendo todo o ímpeto viril de quem soube moldar um destino a ferro e fogo. Na tua boca, havia sempre espaço para uma palavra alegre, porque a vida não se compadece de tristezas. Não fossem os sulcos de vivências marcados no teu rosto e as pernas já derrotadas pela violência da enxada e terias sido um dos nossos, correndo pelo pinhal atrás de um qualquer gato vadio. Quando, diz-me quando, desceste a cortina sobre a realidade e aprendeste os passos para um mundo só teu?
Ensina-me a porta, na melancolia azeda dos momentos, como ópio para a solidão, eu quero encontrar-te. Só para dizer-te mais uma vez que é o céu que nos escolhe, mas que podemos criar o nosso próprio tempo subjectivo. Quero dizer-te que venceste as batalhas, o frio e o medo. Que soubeste ser homem, pai e avô. Quero dizer-te que não há vergonha no teu Inverno, que há dignidade nas tuas costas encurvadas e na pele como o velho tronco de uma árvore, dormitando na tranquilidade de quem já ocupou o seu lugar no mundo. Tiveste que ter força bruta para romper a terra, persistência para resistires aos ventos, fragilidade para procurares o sol e doçura para alimentares os teus frutos. Conseguiste e tudo isso nos orgulha, todos nós que nascemos de ti.
Não nos deixes agora. Não sem te dizermos a alegria de nos teres segurado nos braços, empurrado nas caixas improvisadas de bebidas, cortado queijo e lambuzado connosco de melão que tu próprio arrancavas da terra. Não sem saberes que te amámos e que a tempestade que te fustigou não mudou isso, nem um milímetro. Tens o lugar certo no nosso coração.
Não partas...
A ausência de fotografias deve-se a um problema técnico. Em breve, retitui-las-ei ao seu devido lugar.