terça-feira, maio 30, 2006

Se te amo...


Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.

Pablo Neruda

segunda-feira, maio 22, 2006

Quem és tu de novo


Quando a janela se fecha
E se transforma num ovo
E se desfazem estilhaços
De céu azul e magenta
O meu olhar tem razões
Que a razão não frequenta
Por favor diz-me quem és tu de novo

Quando o teu cheiro me leva
Às esquinas do vislumbre
E toda a verdade em ti
É coisa incerta e tão vasta
Quem sou eu para negar
Que a tua presença me arrasta...
Quem és tu na imensidão do deslumbre?

As redes são passageiras
Arquitecturas da fuga
De toda a água que corre
De todo o vento que passa
E quando uma teia se rasga
Ergo à lua a minha taça
E vejo nascer no espelho
Mais uma rua

Quando o tecto se escancara
E se confunde com a lua
A apontar-me o caminho
Melhor do que qualquer estrela
Ninguém me faz duvidar
Que foste sempre a mais bela
Por favor diz-me que és alguém de novo...

Jorge Palma

“Quem és” é uma pergunta tão indiscreta quanto traiçoeira e... Será que algum dia me poderás responder? Talvez eu não queira uma resposta. Tu és aquilo que eu vou descobrindo, no intervalo dos risos, aos tropeções, umas vezes confiante, outras insegura... Tu és o que eu vejo em ti, como o reflexo de um lago sem fundo, uma prenda que se desembrulha devagar, saboreando o prazer antecipado da expectativa. Todos nós já nos desiludimos, todos acreditámos naquilo que julgámos ser um céu e no final de contas eram só estilhaços azuis e magenta... Todos guardamos a verdade secreta numa concha esquecida por entre as algas das memórias e todos desejamos a corrente que venha despojar-nos dos corpos mortos, que nos liberte a essência e nos aponte o caminho melhor do que qualquer estrela. Nenhum de nós sabe quem é. Por isso, não respondas. Deixa que o tempo, como o mar, traga para terra os despojos de ti. Eu não vou procurar desenterrar as tuas lendas, nem mergulhar em águas que se podem revoltar... Estou cansada de naufrágios. Não roubo a tua história, aceito os vislumbres que dela me dás e vou construindo uma ideia de ti, com prudência, com a segurança de seres autenticamente tu, porque, se um dia deixar de haver a tua presença, não quero encontrá-la despida de alma. Dou-te a garantia de que vou ver em ti alguém de novo e de mim... aquilo que estiveres disposto a abraçar, a desvendar com a mestria cautelosa de quem descobriu a importância de esperar. Porque nos reinventamos cada dia e somos sempre alguém de novo, é perda de tempo tentarmos prender-nos num perfil, numa imagem, numa definição que nos torna escravos de alguma verdade que não pedimos para integrar. Eu não sei quem és, quem sou... Sei que quero procurar. Não é que isso que verdadeiramente importa?

sábado, maio 13, 2006

Redescobrir a normalidade


Foram tantos os anos em que eu achei que a normalidade era uma doença que eu devia a todo o custo evitar... Tantas vezes me desviei dos padrões e estimulei a diferença em mim, entediando-me com a rotina e amaldiçoando a monotonia. Venerei as loucuras, os saltos no vazio e tudo aquilo que poderia arrancar alguém à multidão e fazê-la brilhar, estrela solitária num céu de diamantes. Mergulhei na história dos Van Goghs e Fernandos Pessoa do Mundo, segui atentamente os passos dos revolucionários, admirei profundamente quem primava pela diferença e fazia os pilares da sociedade estremecer.
Mas agora, depois de virar o mundo ao contrário, dou por mim a redescobrir a normalidade com um estranho prazer. Reencontro-me no caminho de todos os dias e saboreio a alegria de uma vida comum, que para mim já não significa o mesmo que vulgar. Deixo-me dissolver na espuma homogénea da multidão, envolvida pelo conforto do anonimato. A placidez da previsibilidade pela primeira vez não me aterroriza. Aprendo a amar o que me está ao alcance da mão, dou por mim a “desejar impossivelmente o possível”, tomando consciência que construi um abrigo à minha imagem e que não quero sair de lá, não para já. Entendo a beleza da simplicidade, das pessoas que passam por mim e não cativam a minha atenção, das pequenas coisas que estruturam o meu mundo e que eu não conseguia ver por trás das cores berrantes que pintava num horizonte sempre inalcansável.
Porque para deixar a minha alma voar preciso de ter os pés assentes na terra, porque a liberdade começa em mim, porque onde quer que me leve o fascínio estas são as minhas raízes... Quero amar o meu dia-a-dia, deliciar-me com tudo o que sempre esteve por perto, conhecer os voos do meu doce quotidiano sem pretensões de maior, entregar-me aos braços que se abrem sem os olhos turvos de sonhos irrealizáveis e outras quimeras. Só assim posso sentir-me em mim, porque me cansei de buscas infrutíferas. É um sentimento novo, estou embriagada dele. E hoje digo sem medo: dêem-me aquilo que eu posso esperar. Desta vez eu não fugirei... Prometo, eu fico.