sexta-feira, abril 21, 2006

Letting go

Don’t be afraid of letting go...

Há minha volta pressinto a ânsia triste de todos aqueles que se habituaram a ver um rapaz bonito e alegre na televisão e que agora não sabem lidar com o vazio que ele deixou. Francisco Adam partiu. E até eu me sinto incomodada perante a ideia, embora a única familiaridade que tinha com ele era a de ver aquele rosto traquinas aparecer e desaparecer no écran durante uma ou outra sessão de zapping. Não é a perda que me preocupa, como os Expensive Soul dizem na música que - segundo me elucidaram - precedia as suas aparições na novela “falas disso, esquece isso”. As pessoas aproveitam o pretexto para chorar as suas mágoas, lamentam a vida que se esvaiu e que era desconhecida mas que lhes entrava em casa todos os dias através da pequena caixa mágica, fazem disso mote de conversa durante umas semanas e esquecem. Ironicamente, a mesma música continua “pensas que eu vou ficar por cá muito mais tempo, demasiado tarde, por isso aproveita este momento”. Francisco Adam foi uma pequena estrela que se apagou ou que deixámos de ver, mas que vai continuar a arder no coração de quem verdadeiramente o conheceu durante muito tempo. É essa a sua eternidade, a eternidade de todos nós...
O que mais choca em tudo isto é a juventude dele, como uma flor que é colhida quando ainda está a desabrochar. Não estamos preparados para perder alguém nesta altura, não conseguimos conceber que isso possa sequer ser possível. Sei bem a sensação de imortalidade que temos quando somos jovens, como se uma bolha invisível à nossa volta nos protegesse de todos os males do mundo. Eu bebo actimel e isso não impediu que naquela noite eu sentisse a vida escorregar-me por entre os dedos. Passaram 4 meses, mas não esqueço...
Não me parece que seja inconsciência. Simplesmente, a ânsia de abraçar o mundo, de o sorver, de alcançar a plenitude de cada momento é um apelo mais forte do que a prudência, que só o tempo traz. Nada nos acontece porque ainda temos muitos projectos, porque ainda queremos viajar, casar, ter filhos... Ainda pensamos tirar o tal curso de pintura, lutar por aquele trabalho com que sonhamos desde miúdos, comprar uma casa à beira-mar onde envelhecer... E é verdade que esse optimismo nos protege... A maioria das vezes, mas nem sempre.
Posso dizer que renasci, pelo menos é assim que sinto. Por um segundo, pensei que tudo estava perdido e dei-me conta de como amo esta vida. Foi um segundo, uma distracção por excesso de confiança, que paguei com sangue e lágrimas. Mas fui poupada e, de cada vez que fecho olhos e recordo a escuridão que me engoliu naquela noite sem estrelas, sentindo o medo tão entranhado na minha pele, agradeço por ainda estar aqui.
Que a morte do Francisco sirva para vos lembrar da fragilidade da nossa humanidade. Aproveitem o dia, cada dia, não adiem sonhos, não abdiquem do presente em prol de um futuro que é sempre incerto. Mas não se esqueçam, nem por um momento, que a vida é o nosso bem mais precioso e delicado e que por isso devemos protegê-la, mantê-la, cuidar dela. Porque “todos os momentos são brilhantes diamantes”...

terça-feira, abril 18, 2006

Juventude (em nome da Amizade)


Sei de cor cada lugar teu
Atado em mim
A cada lugar meu
Tento entender o rumo
Que a vida nos faz tomar
Tento esquecer a mágoa
Guardar só o que é bom de guardar

Pensa em mim
Protege o que eu te dou
Eu penso em ti
E dou-te o que de melhor eu sou
Sem ter defesas
Que me façam falhar
Nesse lugar mais dentro
Onde só chega quem não tem medo
De naufragar

Fica em mim
Que hoje o tempo dói
Como se arrancassem
Tudo o que já foi
E até o que virá
E até o que eu sonhei
Diz-me que vais guardar e abraçar
Tudo o que eu te dei

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
E o mundo nos leve para longe de nós
E um dia o tempo pareça perdido
E tudo se desfaça
Num gesto só

Eu vou guardar cada lugar teu
Ancorado em cada lugar meu
E hoje apenas isso
Me faz acreditar
Que eu vou chegar contigo
Onde só chega quem não tem medo
De naufragar

Mafalda Veiga



É assim a juventude inebriante, em todas as suas tonalidades, na musicalidade das gargalhadas, cujos ecos se repercutem pelo resto da vida. É nestas memórias que a minha alma vai pousar quando o Outono da vida chegar, afastar as teias de aranha e o pó dos anos, sacudir-lhes a ternura, protegê-las das mágoas que a vida vai acumulando.
Neste momento dos nossos percursos, as incertezas são promessas de um futuro risonho, a insegurança é arrastada pela corrente das palavras e dos sorrisos, os medos e as mágoas têm a insignificância de graus de areia perdidos num deserto de sonhos. Ainda há tempo... Há sempre tempo... Para concretizarmos as nossas ambições loucas, os nossos segredos obscuros... Há tempo para mudarmos o mundo.
É esta a magia da vida... Os braços abertos, os sorrisos sinceros, os elogios espontâneos... É assim que vocês são, à parte as dores do mundo, e eu delicio-me na pureza da vossa entrega, na leveza dos vossos passos, na luminosidade dos laços que nos unem. A amizade agora é tão fácil, basta acreditar. E vocês acendem sóis na noite; no fascínio da ternura, lambem lágrimas à solidão; cantam e dançam os encontros e desencontros com a paixão de quem tem motivos para festejar. Somos D. Quixotes, de olhar preso no horizonte e os moinhos de vento fazem-nos rir, porque a vida é este momento, este em que estamos juntos e nada mais importa.
Nas minhas pegadas estão escritas as tardes ao sol, dissolvidas na placidez alegre da vida da vizinha e num refresco; as noites de futebol passadas entre um café e outro; os passeios junto ao mar, falando de estórias caladas pela nostalgia dos amores perdidos e de projectos de um amanhã que parece tão longínquo; os cafés fumegantes, os acordes de uma guitarra e uns pingos de chuva que testemunham romances nascidos para não se consumar; madrugadas alucinantes pelas ruas, braço dado, rumo à torpidez embriagada das tascas; manhãs que se levantam e nos apanham desprevenidos à saída de um bar qualquer, sem nos despedirmos da noite que passou; aulas partilhadas na solidariedade do cansaço e dos bilhetes trocados à socapa; sonos cúmplices; conversas esquecidas por entre o fumo de um cigarro... Pegadas que falam de vocês, das verdades que eu encontrei na simplicidade da vossa amizade.
É esta a minha juventude, que me faz adormecer de exaustão ao final do dia e acordar incondicionalmente com um sorriso no rosto. É este o sal dos nossos dias. Obrigada, meus queridos, por chegarem comigo “onde só chega quem não tem medo de naufragar”.

quinta-feira, abril 13, 2006

Fast food

Deixa-me rir

Essa história não é tua

Falas da festa do sol e do prazer

Mas nunca aceitaste um convite

Tens medo de te dar

Não é teu o que queres vender

Não...

Deixa-me rir

Tu nunca lambeste uma lágrima

Desconheces os cambiantes do seu sabor

Nunca seguiste a sua pista

Do regaço à nascente

Não me venhas falar de amor...

Pois é, pois é

Há quem viva escondido

A vida inteira

Domingo sabe de cor

O que vai dizer segunda-feira

Deixa-me rir

Nunca auscultaste esse engenho

De que falas com tanto apreço

Esse curioso alambique

Onde são destilados

Noite e dia

O choro e o riso

Deixa-me rir

Ou então deixa-me entrar em ti

Ser teu mestre só por um instante

Iluminar o teu refúgio

Aquecer-te essas mãos

Rasgar-te a máscara sufocante

Pois é, pois é

Há quem viva escondido

A vida inteira

Domingo sabe de cor

O que dizer segunda-feira

Jorge Palma

É triste a nossa sociedade de plástico, onde trocámos o amor pela paixão e a paixão pelo desejo. É triste acharmos que os sentimentos se consomem num leito, deitarmos ao vento verdades que se esqueceram de acontecer, porque quem as diz não as sente e quem as ouve não quer acreditar nelas. É triste termos esquecido a intensidade dos beijos, termos fechado os nossos olhares sob a cortina dos medos e das mágoas. É triste deixarmos as horas a queimar numa apatia feita de nada, só porque desistimos de procurar. Despimos a vida de noite e dia, de choro e de riso. Para nos protegermos... Deixamos de viver.

Por isso, deixa-me rir. Tu não sabes o que é rasgar a alma e deixar o coração despedaçado na calçada. Tu não sabes qual é a cor dos dias quando todas as estrelas se apagam. Tu não sabes o que é querer alcançar o infinito e esbarrar contra os horizontes claustrofóbicos da realidade. Tu não sabes falar de amor...

Ousa respirar por detrás dessa tua máscara, ousa verter a transparência do teu sorriso nos lábios de alguém, por uma vez... Só por uma vez... Ousa seres tu, exigir amor em troca de amor. Ousa ter asas, estar sedento de ternura e verás que isso não é loucura. Ousa viver!

terça-feira, abril 11, 2006

Amo.te Porto

Quem vem atravessa o rio
Junto à Serra do Pilar
Vê um velho casario
Que se estende até ao mar

Quem te vê ao vir da ponte
És cascata sanjoanina
Erigida sobre um monte
No meio da neblina

Por ruelas e calçadas
Da ribeira até à foz
Por pedras sujas e gastas
E lampiões tristes e sós

Esse teu ar grave e sério
No rosto decantaria
Que nos oculta o mistério
Dessa luz bela e sombria

Ver-te assim abandonado
Nesse timbre pardacento
Nesse teu jeito fechado
De quem mói um sentimento

E é sempre a primeira vez
Em cada regresso a casa
Rever-te nessa altivez
De milhafre na asa

Rui Veloso/ Carlos Tê


És tu, belo e sóbrio, só tu, que estás enraizado em mim. E não importa quanta sede de mundo me desespere, nem o quão fascinada um dia me quede por alguma cidade; não importa quanto tempo permaneço nela, nem se continuo a voar... Serás tu sempre o chão, é sempre aqui que vou voltar.
Paris tem o romantismo das melodias melancólicas que o Sena arrasta ao passar e um céu pintado em tons de azul e magenta por pintores boémios que ainda deambulam por lá. Roma tem o cheiro da História nas paredes e a alegria barulhenta de pessoas que não pensam demais na vida. Amesterdão transpira uma beleza segura de si e cativa com promessas de novos mundos. E Londres, Nova Iorque, Berlim e... Todas elas e nenhuma em ti. Meu Porto sujo, meu Porto cinzento, meu Porto abandonado... Se não fosses assim, não eras o meu Porto.
Gosto de te olhar, frágil mas altivo, com o coração em ruínas mas o orgulho intacto. Por um momento, suspendo a respiração enquanto atravesso a ponte e te vejo aproximares-te devagar. És majestoso, na placidez sombria dos teus dias, no brilho inebriante das tuas noites. Envolves-me nos teus braços ternos, no teu cheiro a glórias amarrotadas pelo tempo e a mar, e eu sinto que é aqui que pertenço... Só em ti me sinto em casa. És como uma paixão antiga, aquela que se tatua sob a pele e nem o sal dos anos detiora. Meu velho e triste Porto, és alma em mim. Fundida em ti, posso esquecer-me de mim nas ruas e encontrar-me no norte de cada olhar, tão perdido em dúvidas e medos quanto eu. Olho as pessoas que desaparecem nas esquinas e as que assomam às portas protegida por uma sensação de familiaridade, há uma identidade comum que nos corre nas veias.
É sempre com prazer que te recebo, entrando-me pela janela, revolvendo indiscretamente os segredos que também são teus. É sempre com um sorriso que te encontro, que te percorro, que te descubro. Porque tu és um abrigo renovado, um mistério reinventado a cada manhã.
Trazes em ti a doçura do rio acariciando as encostas, a rebeldia das ondas despedaçando-se contra a foz, o cosmopolitismo das multidões anónimas, o misticismo dos parques onde os amantes se escondem dos olhares do mundo... Trazes no peito mil estórias de amor e de perda, pegadas vivas da existência de alguém. E é por isso que és tão intenso, porque ardes no fogo dos sentimentos verdadeiros.
Meu Porto, mágico de ilusões destroçadas, sobre ti construi o meu passado e, eu sei, conheces-me a alma pelos sinais. Em ti desaguarei um dia. Porque é esse o destino de quem ama...

quarta-feira, abril 05, 2006

Se um dia...

- E se um dia eu já não acreditar que ainda há algo que eu posso mudar?, disse ele repentinamente, como que acordado de um sonho.
Ela riu-se do seu ar grave, um riso embevecido. Ele ficou ofendido, como se não tivesse sido levado a sério a pergunta mais solene que alguma vez lhe havia feito.
- Ris-te, mas tu não sabes quanto tempo ainda temos de inocência, até quando poderemos acreditar nos outros, no mundo, mas principalmente em nós... Na nossa força... Cada dia que passa assistimos a mais uma injustiça, somos vítimas de outra desilusão, vemos os nossos esforços fracassar... Achas que os sonhos duram para sempre?, continuou, como que a justificar perante si mesmo o que acabara de perguntar.
Foi então que ela viu que ele falava a sério, que notou que a escuridão se dilatava nos seus olhos, suportando todas as dúvidas do mundo. Quase o abraçou, querendo protegê-lo dele próprio. Ficou a olhá-lo, deixando que no seu silêncio coubessem todas as certezas e anseios dele, criando um espaço onde ele se pudesse perder sem receio de ser julgado por isso.
- A cada dia tudo muda... É inútil acreditar que pudemos contribuir para um universo que cresce sem nós, que não espera por nós... Somos peões, milhares de peões... Um gesto, certo ou errado, não é decisivo.
Falava entusiasmado, embora o seu sorriso traísse um cansaço que ela não lhe conhecia. Ele estava diferente, já não era a pessoa cheia de ideais que preenchia as lacunas dos dias dela com imagens coloridas; tinha-se deixado vencer por uma sensibilidade pérfida que lhe mostrara as sombras do mundo antes de lhe dar as armas para lutar contra elas. Mas isso não a afastava, pelo contrário. Ela sentiu-se invadida por uma ternura infindável e uma vontade imensa de lhe iluminar um caminho.
- Sente os raios de sol escorrendo pelos teus cabelos, as estrelas que dançam nos teus olhos, sente o calor de um sentimento nas mãos, essas mesmas mãos que constróem a felicidade e a mágoa de alguém. Deixa que o dia entre ti, se propague em cada um dos teus poros e sente como é bom estar vivo. Há uma música que o sangue canta contra as tuas veias, há alma em cada um dos teus gestos... Apercebe-te que o nascer do dia de alguém depende deles. Deixa-te fascinar pela forma de andar, de sorrir, de acariciar de quem se cruza no teu caminho. Sente como é mágico amar alguém. Permite-te ver com outros olhos a vida que te rodeia, permite-te acreditar. Não tens que mudar o mundo, não tens que ser um herói. Todos os dias mudas um bocadinho a existência de alguém. E de que vale ser o ídolo abstracto de milhões, se podes ter alguém que te admire conhecendo quem realmente és? Alguém que reconheça os teus passos entre centenas de outros passos, que te encontre pelo cheiro no meio de uma multidão e oiça a tua voz até a dormir? Muda o teu pequeno mundo, sê o universo de alguém. Faz a diferença naquilo que és, naquilo que fazes os outros quererem ser por ti. É isso que realmente importa.
E foi então que ela viu umas asas crescerem no sorriso dele, foi então que o véu do medo se rasgou nos seus olhos e ela pôde ver de novo quem ele era antes da podridão do mundo se ter abatido sobre si. E, sorrindo consigo, pensou: Bem-vindo à vida, meu querido.