Viperina
Fotografia em www.fotolog.com/vanish_ladies
É o teu riso, que outrora fustigou as cordas vibrantes da minha felicidade, o teu olhar perspicaz, despindo-me os medos e ansiedades. Esse teu tom doce e a carícia que pousas, quase por descuido, femininamente no meu ombro. São as promessas de eternidade ecoando no meu peito esvaziado de toda a ternura por ti. Sou eu, frágil na minha intimidade, diante do teu dedo acusador mascarado de elogio, da tua requintada ironia e crueldade. E quem nos visse assim, braço dado, sorrindo pela rua, diria que a amizade resiste às tempestades do ciúme doentio e da paixão. Di-lo-ia sem se aperceber do rubor escaldando-me a face e o coração apertado, tão pequeno, contra o desgosto e da máscara vitoriosa no teu rosto, que nunca deixas cair. Sacodes-me com a ponta da tua unha cuidada e pensas que assim te consegues livrar dos fantasmas da inveja que te esmagam a altitude. A autenticidade faz-te sombra? Talvez não te sintas suficientemente boa. Serei eu só o pretexto? Penso que terás visto em mim aquilo que desejaste ser.
Tens uma forma cadenciada de atacar, seduzindo-me cortesmente para o teu ninho de intrigas e traições, fazendo-me acreditar num passado que foi sempre só meu. Quando me tens, bem presa entre na tua teia, sibilas palavras pontiagudas e fá-lo de com uma voz melíflua, tão delicada que pareces cantar. No sangue derramado, cospes o teu veneno e ficas, recostada, a saborear a contorção do corpo moribundo, amordaçado pelas mãos da vergonha e do constrangimento social. Pensas que assim neutralizas o poder que, distraidamente, emano sobre ti. Eu olho-te, já sem que a íris se me raie dessa estranha espécie de dor que é a desilusão. Olho-te, atentamente, analisando-te sem carinho ou compaixão. Retiro o espinho que deixou a tua passagem e a lágrima seca por não haver rio por onde correr. Já em ti vejo pingar o ácido que trazes na língua, percorrendo-te a alma de calafrios. Aliviou-te o que disseste, o que fizeste? Permite-me ousar dizer que não. Vejo-o no teu sorriso macilento, ainda que o olhar continue a manter aquele rasgo viperino que, por descuido, se pode confundir com vitalidade. Para alguém tão inteligente até que demoraste a perceber que o que te intimida não é a minha presença, mas a ausência dela em ti. Assim, serei sempre o que nunca conseguiste ser, enquanto tu te aninhas na tua mediocridade. Desculpa-me a sinceridade, para hipócrita já basta essa dança de cortesias que representas tão bem.
Tens o jogo na mesa, as mangas arregaçadas, como sempre estiveram. O meu ás é, precisamente, a despretensão de querer ditar as regras. Vou continuar a aceitar os teus falsos dizeres e os teus truques sujos e a ignorar o brilho malicioso acautelando-te os passos. Não quero saber o quanto de prazer tiras disso se, para me magoares, precisas que eu te deixe. Já houve dias em que bebi sofregamente as palavras da tua boca, em que arrisquei deixar-te entrar. Agora a porta está fechada, para ti há só restos ou nada. Nunca poderei ser a ponte para a tua felicidade. Nunca, debaixo dos teus pés, te farei uma pessoa melhor. Tenta aprendê-lo por ti, o quanto antes. Para mim, és apenas um ser abandonado à sua própria humilhação, um pedaço desfigurado daquilo que pudeste ser. Compreende que sugares a seiva que corre sob a minha pele não reinventará a tua. Não sou um obstáculo, tão só uma realidade com a qual tens que saber viver. Se para ti isso é demais, minha querida, já não é um problema meu. Para mim, chega de enredos e de mentiras. Não quero fazer da minha vida um teatro. Deixa-te de erguer moinhos de vento, um dia já te quis tão bem… Tens o segredo do carisma por entre as mãos, mas ele vai-te escorrendo pelos dedos em cada manhã que escolhes o caminho mais fácil. A ambição, a sede interminável de monopolizar a vida dos outros, cegou-te os olhos para o essencial. Procura-o em ti. O meu papel na tua vida acabou por aqui.