domingo, agosto 27, 2006

Portugal



Assim que terminam as competições desportivas, encerram com elas o patriotismo exaltado que une um povo que passa grande parte do seu tempo a criticar aquilo que apelidam de “o sistema”. Pergunto-me porquê calar num permanente inconformismo desprovido de acção o orgulho nacionalista que secretamente germina em cada português. Não importa o quão vertiginosamente desça a economia, que a crença nos políticos se vá deteriorando com o passar dos anos e o assolar do fenómeno da globalização... Cada um de nós continua a transportar, oculto sob do ar desiludido, um amor tão secreto quanto incondicional pelo belo país “à beira mar plantado”. É ver, se um estrangeiro elogia Portugal, o brilho no olhar trair o encolher de ombros e o suspiro pesaroso do português, que assim se pretende humilde.

Mas hoje eu vou enfrentar esta insensata tradição, vou deixar as queixas de lado e assumir o prazer de ser parte da nação mais ocidental da velha Europa.

Hoje vou falar de um país que tem a cor da terra e sabe a mar; vou falar das rugas que, nas caras dos mais velhos, contam estórias de trabalho duro e fome; vou contar a beleza das mulheres, que sacodem as formas da vida nas suas ancas latinas; vou dizer como é ainda ter um céu estrelado sobre a cabeça e adormecer com a janela aberta, certa de que o meu sono não será perturbado por nenhum intruso com más intenções.

Hoje vou agradecer o mar que inunda os meus olhos, ora fustigando a costa com a força das vagas que vêm do norte, ora acariciando-a com a ternura mansa do mediterrâneo; vou abrir os braços para o céu de um azul cristalino e esperar que ele se pinte de cinzento, porque neste meu cantinho nenhuma estação do ano é esquecida. Os passos que hoje desenho na areia dourada e escaldante, com o cheiro a flores exóticas colado às narinas, amanhã estarão ladeados de folhas estaladiças de cores berrantes, como se tivessem sido tiradas da paleta de Van Gogh; mais tarde, serão moldes que as crianças atirarão umas às outras em felizes guerras de neve, para a seguir se tornarem ninhos que abrigam o renascer do mundo, das plantas e das pequenas criaturas. O prazer de despir as roupas e os preconceitos e dançar na praia até ao nascer do sol só é intenso porque eu sei que não tardarei a passar tardes no sofá, munida com dezenas de filmes, uma manta e chocolate quente, enquanto, através da janela, vejo chover deliciosamente lá fora. Porque para os tugas é tudo na medida certa.

É na medida certa o verde que salpica os montes, subindo abruptamente até às nuvens alvas; o cinza dos braços de água que serpenteiam até à foz; o azul profundo, agreste, do mar do norte; o laranja melancólico do doce Alentejo e o dourado cheio de vida das areias do sul. É na medida certa a aldeia e a cidade, convivendo pacificamente, respeitando os tempos e os silêncios uma da outra. Porque cada um de nós traz em si o cheiro de terra molhada, as mãos ásperas do campo, os sinais de um passado dividido entre as aventuras no oceano imenso e desconhecido e os braços robustecidos pelos caminhos de pó e as enxadas que alimentavam os sonhos megalómanos de alguns. Porque temos este sangue quente a fervilhar-nos nas veias há muitos, muitos séculos.

Orgulho-me até do que não gosto, dos olhares de uma nostalgia dramática, carregando o peso de uma vida de sonhos possíveis e pés assentes no chão, sob a escuridão cerrada das roupas. Orgulho-me do fado e de dizermos “saudade”, do que soubemos perder, porque nunca fora nosso. Orgulho-me de termos ousado sonhar, de termos enfrentado o horizonte com a coragem de quem se sabe capaz de olhar nos olhos os próprios medos. Orgulho-me do carácter simples e pacífico das nossas gentes, sempre pronto a ajudar. Orgulho-me de ser portuguesa - ainda que tantas vezes o negue - até ao arrepio, dos cabelos castanhos, dos olhos escuros, do sotaque. Orgulho-me das tascas e dos petiscos típicos que fazem a delícia dos ingleses, da intensidade poética da língua, dos mitos e das lendas, das trágicas estórias de amor e traição, das cidades, monumentos desprezados por olhares indiferentes. Orgulho-me, mas não digam nada... Não faz parte do meu ser português admiti-lo.

Por isso me rio quando nos vejo imitarmos tão desajeitadamente as modas internacionais e tropeçarmos em estrangeirismos que soam vazios e nos roubam a identidade. Para quê aspirarmos o novo mundo se temos o paraíso entre mãos?

Saibam sonhar, saibam esperar, saibam gostar... Saibam ser portugueses e orgulhem-se disso.

9 comentários:

Anónimo disse...

Que identidade tem hoje nosso país no mundo?
...resta-nos a nossa história de conquistas "por mares nunca dantes navegados".

Quem é o nosso lider?
...tantos passam pelo poder político e nenhum se preocupa com pátria. Onde estás Salazar? Sinto que nos países comunistas o patriotismo é mais evidente.

Onde se ensina ou como se aprende a ser patriota?
...cada vez mais somos absorvidos pela globalização. Cada vez mais os usos e constumes dos nossos pais, avós, bisavós... são esquecidos.

Nem no desporto somos patriotas! Não sinto nenhum arrepio ao ver um estrangeiro naturalizado português colocar Portugal no podium!
São os "outros" que nos mostram ao mundo! :/

Quem vive cá não dá valor ao que temos mas os que "fogem" daqui orgulham-se mais de serem Portugueses.

(...)

Beijo Samanta

M disse...

o que mais me espanta, aliás, o que já nao me espanta nem um pouco é que até os que vêm para cá à procura de algo melhor já vêm com uma impressao muito estupida para quem nao tem lá grande poder de escolha.

o resto depende dos olhos que observam...

Anónimo disse...

Realmente Raul merecias era viver no tempo da "velha senhora" .Podia ser que aprendesses alguma coisa e te identificasses mais com o país que tens hoje.Um país onde Portugueses como o Obikwelu nos dão alegrias e mostram com orgulho a bandeira nacional ao mundo.
No tempo do teu saudoso "Salazar" nem sequer terias a oportunidade de expressar a tua opinião neste Blog. Não percebo também a tua necessidade de um lider paternalista que "tome conta de nós", o que precisamos é de uma mudança de mentalidade . E tu meu caro, provavelmente ainda vais a tempo!!!Para finalizar, já pensaste em fazer algo pelo teu país e deixares de estar à espera que apareça um líder qualquer que o faça por ti ????
A Samanta que me desculpe, mas não resisti a reagir a este post que li.

Anónimo disse...

Resposta ao "anónimo" sem coragem de se identificar...

Talvez me tenha expressado mal, daí a tua incompreensão!
Nunca vivi na altura do Salazar e reprovo muitas coisas que se faziam na altura, tal como a falta de liberdade de expressão. Mas nesse tempo, havia respeito, as pessoas sentiam mais o país, etc.
25 de Abril trouxe mt coisa boa,mas desde então os "mamões" da política só olham para o próprio umbigo! Certamente foram os teus pais que te educaram, é com eles k tu cresces e te identificas. O mesmo se passa c o nosso posso que olha p quem nos governa. Se eles roubam, pq eu tb n faço o mesmo??? E assim andamos aqui neste ciclo vicioso onde qualquer "merdas" quer ser político p encher os bolsos à custa do "zé povinho"!

Abraço

S. disse...

Ilustre anónimo, não tem q se desculpar. Pelo contrário, agradeço a polémica que suscitou e que dinamizou esta partilha de opiniões que, espero, seja cordial e elucidativa.

Aproveito para agradecer, em geral, a todos os que desenham os seus pensamentos neste espaço.

Um beijo

Helena disse...

Sem dúvida que este teu texto faz ver as coisas com outros olhos!
Eu tenho orgulho em ser portuguesa, apesar de só uma das costelas o ser, a outra fala francês!
O que nos falta a todos é acreditar um pouco mais!

Gostei imenso!

bjs

Anónimo disse...

Excelente este olhar sobre o nosso SER!
Eu sou Português e tenho orgulho de o ser!
Polémicas à parte, dou-te os parabénss pelo tema, Samanta.
Bjs

Anónimo disse...

Excelente este olhar sobre o nosso SER!
Eu sou Português e tenho orgulho de o ser!
Polémicas à parte, dou-te os parabénss pelo tema, Samanta.
Bjs

pecado original disse...

Sempre... a patria é o nosso sangue, a nossa conquista e identidade.
Amar Portugal é amarmos nós proprios.

beijinho