terça-feira, setembro 25, 2007



Hoje levanto a manhã nas pálpebras, inundando o quarto de dia. Tenho a alma clara, as portadas abertas, os cantos arrumados. Em ti reconheço os contornos de um velho sinal boiando no meu corpo. É natural querer-te, pertencer-te. O meu caminho atravessa as tuas ruas.

[Só hoje sinto-me serenamente perto de mim.]

Em ti, que desconheces a minha cultura, a minha história e a minha herança, que nunca me viste errando pela noite inquieta nem sabes a minha cor preferida, estou inteira. No enleio cerrado das tuas montanhas severas, abraças todo o meu mundo que é tudo e apenas aquilo que posso transportar comigo. Nas teias que me nublavam a razão fui acumulando demasiado pó e frustração. Rasguei-as na ânsia de te alcançar e, na erosão do sangue seco dos sentimentos repisados, a boca soube-me a seiva fresca. Hoje, sob o teu sol, cresço com a força bruta de um fenómeno natural.

[Obrigada.]

És tu a madrugada desperta, um rosto impreciso que desafia os códigos genéticos no autocarro, a conversa no pub regada a cerveja e a nachos, o nome exótico do rapaz na mesa ao lado, mil variedades de queijo e chocolate tentando-me a dieta, uma noite surreal na fábrica abandonada, os passeios junto ao lago e cada beijo que te dou no meio tempo que demoro a adormecer. És tu a coragem de vencer o ridículo, um pouco mais de tolerância. És um punhado de novas palavras todos os dias, excitantes desafios e sensatas lições, incontáveis vitórias.

És o mapa que me leva até mim.

És tu o que sempre sonhei, ainda que tivesses outro nome, outra cor e outra altitude. Hoje não preciso de te perguntar às estrelas.

És tu.



14 comentários:

Anónimo disse...

Um texto inteligente, que tenta ocultar segredos incontidos e simultaneamente um confesso amor pela humanidade...

Parabéns...
Outra coisa não seria de esperar, senão a qualidade a que nos habituaste!

Anónimo disse...

Porque no amor encontramo-nos e deixamos de precisar de mapas!

Tinha saudades de te ler!
Lindo...

Beijinhos!

pecado original disse...

Continuas apaixonada!
E a escrever inesquecivelmente.

Joaninha disse...

Mais uma entrega sem limites. E é incrível quando se encontra "o mapa" que referes!

Rui disse...

Gostei. Lindo trabalho. Tens alma.
Beijinhos

o meu blogue é:
http://www.infinitomutante.blogspot.com/

Rui disse...

Jorge Sousa Braga - Haicais


Escrevo
com os dedos ainda longos
da carícia

NENÚFARES

Um nenúfar flutua
na mesma água
que a lua


NOCTURNO DO PORTO

Rosas amarelas e vermelhas
e sem cheiro
vagueiam no nevoeiro


MAGNÓLIAS

Esqueceram-se das folhas
tão grande era a pressa
de florirem

Sandra disse...

Mais um texto lindo miga=)!
Oh miga mas não te esqueças do mapa que te traz de volta a nós;) não te queremos perder para essas montanhas severas, esses chocolates maravilhosos e, no fim de tudo, o teu sonho.
Nós estamos aqui à tua espera. Tenho saudades de ti e de te abraçar.
(Hoje estive com a nossa Lau e falamos de te visitar)
Amo tu miga**

Elsa Sequeira disse...

Olá!!!

Venho convidar-te a juntar-te aos muitos que vão escrever uma CARTA POR DARFUR!
http://eu-estou-aki.blogspot.com


Gostei do teu cantinho! Voltarei!!!

TP * disse...

lindo* amei! *bj

happiness...moreorless disse...

Muito lindo mesmo. Adoro ler confissões de amor, nunca me canso, são as mais bonitas...as mais sinceras! adorei o teu texto!

um beijinho

Luis Martino disse...

Para!
Não ouço o meu peito a bater...
Espera, encosta-te a mim
O meu peito bate, nao em mim,
mas dentro de ti...

M disse...

Hoje aqui. Amanhã ali
De alma e coração!

Light disse...

que saudades de ler as palavras que transcreves e nos abraçam!

voltei

Rui disse...

PRIMEIRAMENTE

" Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.
E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, a solidão aberta nos dedos como um cravo.Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras, arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca - e sempre a tua boca - comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu."


Eugénio de Andrade