sexta-feira, dezembro 15, 2006

Geração rasca?


Esgota-se o tema em si mesmo de cada vez que concluo, trauteando pensamentos entre um dizer e outro, que cada geração, imbuída das particularidades do seu tempo, dá à luz pessoas brilhantes e comuns ou - deveria dizer - pessoas que se distinguem socialmente e outras que se fundem na massa homogénea do anonimato; bons profissionais e medíocres; pessoas cultas e desinteressadas, familiarmente integradas e sólidos independentes. Não é disso que me cabe falar, ainda menos julgar. Parece-me inconclusivo e até desnecessário.
Permitam-me, contudo, a ousadia de questionar esta sociedade de facilitismos. Não posso deixar de sentir as vísceras contorcerem-se de cada vez que me deparo com professores a dissertarem para uma sala vazia ou quase pedindo licença para ensinar uma plateia demasiado ocupada entre a azáfama dos telemóveis e da conversa sobre a vizinha do lado. Há palestrantes a mendigar audiência pelos corredores... Entristece-me, não posso negar, cai-me como um seco murro de raiva no estômago. Houve tanta gente a lutar para que pudessemos ter o conhecimento ao alcance da nossa sede, todos os dias, que me parece de todo desprezível a indiferença quase a rasar o desrespeito que habita os olhos dos meninos de hoje.
De que serve instituir faltas de presença nas aulas e créditos a seminários, falseando uma responsabilização que deveria brotar espontaneamente das consciências? Sem qualquer réstia de moralismo, o que digo vem de um profundo desgosto que me rói e da vergonha de uma geração que confunde tirar uma licenciatura com saber ser e de um país que o permite. Levámos o paternalismo de toda uma nação pós-salazarista, imersa em culpas e traumas, a um extremo que em nada nos eleva. Pelo contrário. Fizemos das nossas crianças pequenos ditadores, tudo em nome de uma formação livre de rejeições, segundo os ditâmes da psicologia dita moderna. Qualquer "não" dito na mais tenra idade poderá causar uma ferida profunda que se repercutirá em cada gesto para o resto da vida. Presumo que estejamos a considerar que vivemos num país de pessoas intrinsecamente perturbadas, à força de bastantes gritos e um punhado de estaladas numa infância cega a métodos pedagógicos e alheia a computadores!
Chegámos a um ponto de ruptura. Somos todos formados e cidadãos europeus, mas nunca saímos do país, nem aprendemos senão a decorar e, quem sabe até, com um certo jeito, a colar a matéria dos manuais no exames. Continuamos a ser a sociedade dos "chicos espertos", mas agora perfeitamente legítimos e justificados, afinal porquê trabalhar quando haverá alguém que nos levará ao colo? Os esforços, maiores ou menores, dos nossos pais conquistaram-nos um lugar ao sol e, por isso, merecemos dedicar-nos o resto da vida ao diletantismo. Até porque há uma espécie de semi-divindade que nos coloca numa posição de superioridade face aos comuns mortais. Nós podemos, é a palavra de ordem. Mas e o que é que nós fazemos?
Não me interpretem mal. Era urgente mudar, apaziguar o autoritarismo e dar garantias às gerações vindouras. Mas isso não é sinónimo de retirar toda a carga de responsabilidade, consciência e esperiências (boas e más) que compõem a vida de qualquer pessoa. O crescimento também se faz de quedas, que ensinam lições de humildade. Estamos a criar pessoas inutéis, que vivem através da televisão e a qualquer adversidade se trancam no gabinete do terapeuta. Vamos mostrar às nossas crianças o prazer de um fruto arrancado com as nossas próprias mãos, a satisfação de um reconhecimento merecido. Vamos desligar a televisão e explicar-lhes que não há um público a avaliar os nossos passos e que é a nós mesmos que devemos primeiramente o respeito de sabermos que conquistámos o nosso espaço. Vamos ensinar-lhes que a auto-estima se contrói de lágrimas e suor e do deleite de saborearmos o caminho. Vamos gerar um futuro capaz. É urgente.

2 comentários:

Anónimo disse...

Menina...
Não tenho nem palavras...
Não mudo nem uma vírgula, subscrevo totalmente. Tens razão, ou somos 8 ou somos 80!

Que escreves "p'ra lá de bem", já todos sabemos, mas é fantástica a maneira como sabes expôr as tuas ideias...
Continuas a ser a minha inspiração e a minha Luz!

Anónimo disse...

Acho que é um termo muito depreciativo, este que rotula a geração em que faço parte. Há pessoas fantásticas em qualquer idade.. A descriminação social, leva à marginalização. Todos diferentes mas, todos iguais. Que valores nos incutem ao chamar-nos geração rasca? Falas-te de auto-estima, de motivação e do positivismo. O descrédito leva a desmotivação, mas muita coisa esta geração ensinou aos mais velhos. Ecologia e adaptabilidade são só algumas delas. A nossa cultura porém está presa a velhos costumes e olha desconfiado em todos os sentidos. Mas, com razão. Trauma. Mas, temos de respeitar par ser respeitados. Civismo. Eu tive oportunidade de ver pessoas como rastafaris a trabalhar em bancos. Excelentes profissionais, não foi o cabelo que alterou a postura dessa pessoa. Mas, isto em Inglaterra. Muita gente não me encara pela minha pessoa e sim pelo meu aspecto. Mesmo eu sendo uma pessoa respeitadora e educada. Quando se fala em estatuto social, a importância sobe gradualmente. Eu denoto muito mais apreço das pessoas quando sabem o meu estatuto. Temos pessoas com as mesmas capacidades que em todo o mundo. Os nossos melhores estudantes e profissionais, saem todos deste país e porquê? Somos todos da mesma espécie com as mesmas capacidades mas, nem todos temos as mesmas oportunidades. Eu acreditei em valores utópicos mas, sempre quis fazer um pouco melhor, dentro do que está ao meu alcance e mesmo assim, aprendi que tinha de me precaver de um eventual oportunismo e cinismo de quem ajudava. O ser humano, é um ser cruel e a marginalização ajuda a tal. Rasca, é termos que viver com o peso de saber que vivemos sobre uma falsa liberdade. Difamação informativa, cedências de poder, manipulação corporativa. Desmantelar uma rede de tantos criminosos, levaria à ruptura da nossa suposta democracia. Dar poder às massas. Dar voz ao povo. Que voz? 75% da população segue-se pela "caixinha mágica" e vive humildemente sem querer ter um papel activo nesta sociedade. Pessoas que se cansaram de lutar e que não têm tempo nem meios de chegar a algum lado, porque estamos todos presos a esta realidade. O poder está na união. Uma maior do que a rede de mafiosos que nos governa. Mas, quem dirá que a gente também não iremos ficar cegos por tal? Grandes poderes, grande responsabilidades. E o ser humano é um eterno insatisfeito. Por isso digo, mais vale ser ingénuo e viver feliz com o pouco temos. Sem os stresses de uma luta em que à partida sairemos derrotados. Podem ser cobardes para alguns inconformados, como se calhar eu por escrever este texto, mas eu preferia ser feliz. Voltando ao tema, o homem não se aproxima rotulando-se, mas na unificação, destruindo estas barreiras que afastam a minha chamada "geração rasca" de outras gerações.. Chamem-nas como quiserem, "I'm just a man".