quarta-feira, março 22, 2006

Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho
Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma, não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,


Atento ao que sou e vejo
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem
Assisto à minha passagem
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.


Por isso, alheio, vou lendo,
Como páginas, meu ser.
O que se segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto a margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa


Quem sou eu na imensidão destes desejos contrários... de sonhos de pernas para o ar... e sentimentos paradoxais? Quem sou eu, diz-me tu que me levaste, que me trazes no peito sem me saber decifrar. Sou e não sou... Gosto e não gosto... Quero e não quero... E em tudo esta dualidade permanente, tu sabes, desconcertante. Entusiasmada ou entediada, olho-me mas jamais me leio, se tudo em mim são frases soltas que, um dia quem sabe, poderão fazer sentido. Continuo a procurar-me, sem nunca saber quem sou. Na minha demanda incansável por respostas, uma adolescência eterna. Doce é o sabor de novidade que há em tudo e vibro, num conhecimento virgem do mundo. Maravilho-me, reinvento-me, vivo de intensidade, de tempestades, de vertigens de prata. Há quem se espante, há quem comente, há quem já tenha tentado deixar de perceber... Se tudo é tão imprevisível, as sombras que alastram e as estrelas que desatam a brilhar, o riso e as lágrimas, os bocados de mim que vou deixando aqui e ali... E às vezes acho que já nem tento saber quem sou ou porque estou ou se quero estar. “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”, disse alguém. Sim, eu sou este momento e tudo o que ele comporta. Amanhã... Bem, logo se verá.

1 comentário:

Anónimo disse...

"os bocados de mim que vou deixando aqui e ali..."rastos de uma vida, momentos jamais esquecidos, marcas profundas...o passado é inutil como um trapo mas deixa marcas=)*
Fernando Pessoa; boa escolha aamiga;adoro, venero F.P
beijinho no teu coraçao=)*